Caos Venezuelano - Por Andreia Barcellos

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Publicada 03 de Abril, 2018 às 15:09

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O meu primeiro encontro com venezuelanos fugidos da crise interna nacional, deu-se quando morava no Equador e facilmente pude compreender a situação catastrófica do país vizinho.

Ao chegar, em casa deparei-me com novos vizinhos, e parei para dar as boas-vindas. O apartamento estava vazio, não tinha moveis, e com o passar dos dias o apartamento continuava na mesma, vazio, sem fogão, gás ou colchões. Logo percebi que as dificuldades eram maiores do que podia pensar. Pouco a pouco, foram comprando o mobiliário básico e assim que conseguiram um fogão convidaram-me para comer a famosa 'arepa' venezuelana.

Enquanto conversávamos fui compreendendo porque estavam ali: a Venezuela está um caos. Já não se pode fazer coisas normais tais como comprar comida e remédios, não por falta de dinheiro, mas sim porque os mercados estão com as prateleiras vazias. "E quem vive sem comer"? perguntou um deles, "Não tínhamos nenhuma opção. Com a inflação, o que  recebíamos no começo do mês já não valia mais nada no final do mês. E pra piorar, não tínhamos onde comprar comida, remédio ou qualquer coisa para nossas famílias." Na Venezuela a crise está generalizada, atinge todos os setores. Medicamentos, gás, eletricidade e comida estão em falta. A violência está em todos os lugares. Cada vez mais difícil ter (e manter) um emprego rentável.

Logo ficamos amigos e pude acompanhar todos os desafios de um imigrante Venezuelano. Fazer a documentação no Equador era fácil, mas o processo é muito caro. Ganhando apenas um salário mínimo, tinham que viver, enviar dinheiro para as famílias na Venezuela e poupar para traze-los. Apesar de todos terem nível superior, trabalhavam longas jornadas em qualquer trabalho que encontrassem. Mesmo com as dificuldades estavam felizes pois cada vez que iam ao mercado, farmácia ou shopping, lembravam de como é bom encontrar tudo o que se precisa.

Em três meses um deles conseguiu trazer o filho e a esposa. A alegria era contagiante, ele estava aliviado por ter os dois em segurança. Mas os traumas já assolavam a família, principalmente o filho de 4 anos. Ao chegar, ficou evidente que a criança tinha problemas de saúde, além da desnutrição. Já que tínhamos fácil acesso à médicos, sem necessidade de documentação equatoriana, rapidamente fomos a uma consulta. Felizmente crianças são resistentes, tomando a medicação, fazendo vacinas, e voltando a ter uma dieta normal, com o apoio dos vizinhos e amigos em alguns meses ele estava brincando com as crianças, adorando sua nova casa e comendo de tudo um pouco. Mas o que teria acontecido se ele não tivesse conseguido sair da Venezuela?

Em nosso último encontro perguntei se eles iriam ficar no Equador ou pensavam em voltar pra Venezuela, a resposta foi clara "assim que o atual governo sair e as coisas melhorarem, eu vou voltar. Tenho saudades da antiga Venezuela."

O governo de Nicolas Maduro transformou a Venezuela em uma ditatura, onde opositores são presos, torturados e frequentemente mortos pelo governo. Tudo está em falta, desde alimentos a remédios, salários dignos e segurança - roubos, furtos, saques e sequestros relâmpago tornaram-se rotina. Oposicionistas constantemente tem seus direitos civis violados, muitos já buscam asilo político em outros países.

Apesar de toda a riqueza do petróleo, a política destruiu a Venezuela e o país está à beira da falência. A desordem politica espalhou-se pelo país.  Até quando perdurará o caos? O que podem esperar seus cidadãos?

Dada a atual condição da Venezuela é fácil entender porque seus cidadãos estão emigrando. Buscam o básico, como alimentos, remédios, trabalho e segurança. Entre 2014 e 2017, mais de um milhão de venezuelanos deixaram o país segundo as Nações Unidas (ACNUR).  Estima-se que mais de meio milhão de venezuelanos estão buscando refugio na Colômbia. No Brasil ainda faltam números confiáveis mas acredita-se que pelo menos 40 mil pessoas já tenham entrado no Brasil.

No início, tínhamos um movimento pendular, o conhecido bate e volta , onde venezuelanos entravam no país para comprar alimentos e remédios mas voltavam à Venezuela, mas hoje, entretanto, eles estão ficando no Brasil em busca de uma vida digna. Pela falta de controle nas fronteiras, é difícil prever quantos venezuelanos entraram no Brasil, e aonde estão. Sabemos que temos um intenso fluxo por terra chegando em cidades que não têm a estrutura e muito menos  condições de receber essa enorme população.

São diversos os desafios que Venezuelanos estão encontrando no Brasil. Mas o mais preocupante é o que vimos na mídia recentemente: protestos contra imigração e a favor de fechar a fronteira em Roraima. Boa Vista é uma cidade pequena, e obviamente o alto número de imigrantes está mexendo com o sistema da cidade. O governo federal está auxiliando como pode, unindo forças com a ONU e  ONG's para tentar resolver essa triste e complexa situação. É um grande impacto em uma cidade que não tem estrutura, apoio, dinheiro e prática em lidar com imigrantes, mas devemos que lembrar que eles são nossos vizinhos, e precisam de nossa solidariedade. Estes imigrantes sujeitam-se a situações precárias porque eles já perderam tudo: paz, emprego, segurança, conforto e orgulho. A única coisa que não perderam foi a esperança e fé em uma vida melhor, cabe a nós não deixar que as percam também.

O governo sabe que não pode cometer os mesmos erros que cometeu com os imigrantes Haitianos, e sim que devemos apoiar os Venezuelanos, porem ainda não implementou medidas eficientes. O governo está tomando medidas paliativas e espera-se que em breve tenhamos politicas públicas mais eficientes para imigrantes.

Vale ressaltar que o Brasil tem um número muito pequeno de imigrantes em comparação com o resto do mundo. Apenas 1% do nosso país é formado de imigrantes enquanto a média internacional é de 3,7%. Ou seja, podemos e devemos acolher esses imigrantes para que tenham uma vida digna. A maneira como um país acolhe imigrantes diz muito de seu povo, e o Brasil sempre foi conhecido como povo acolhedor não devemos deixar que essa concepção mude no momento em que nossos vizinhos precisam de nós.

Texto de Andreia Barcellos

Foto Divulgação

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