Fome: 33 milhões de brasileiros não têm o que comer, mostra pesquisa

Desde a última pesquisa da rede Penssan, em 2020, esse número aumentou em 14 milhões. Hoje, mais da metade da população do país está em insegurança alimentar. São mais de 125 milhões que não têm comida garantida todo dia. E 125 milhões comem mal ou comem pouco.

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Publicada 09 de Junho, 2022 às 10:59

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Uma pesquisa divulgada nesta quarta-feira (8) revelou que o número de pessoas que passam fome no Brasil subiu para 33 milhões. O país voltou ao patamar de 30 anos atrás.

A fome se mostrou em todo o país como nunca. Impossível desviar o olhar. O que é tão evidente com rostos, nomes, está comprovado pela pesquisa que faz uma constatação assustadora: hoje, mais da metade da população do país (58,7%) está em insegurança alimentar. Um nome técnico para explicar que de cada dez famílias, seis enfrentam dificuldades para comer.

São mais de 125 milhões de brasileiros que não têm comida garantida todo dia. Nem em quantidade, nem em qualidade. Entre eles, 33 milhões vivem uma realidade ainda mais cruel: passam fome.

"Os meninos choram muito com fome. Aí pedem e a gente não tem. A gente fica pensando e a cabeça da gente dói", conta a dona de casa Joseane Mendes Silva.

O problema é mais grave no Norte e no Nordeste e na zona rural. Joseane vive no Maranhão com os filhos e os netos.

"Tem vezes que a gente janta, mas não almoça. É a falta de dinheiro", diz.
Uma das filhas de Joseane estava grávida de quatro meses.

"Só fiz merendar um pouquinho às 9h. Uma salsicha", afirma Cláudia Silva.

Os números do levantamento são da rede Penssan, que reúne pesquisadores de universidades e instituições de todo o país. É uma referência no monitoramento da fome no Brasil e reconhecida pelas Nações Unidas.

Desde a última pesquisa, em 2020, aumentou em 14 milhões o número de brasileiros que enfrentam esse flagelo. E é mais grave nos lares chefiados por mulheres.

A fome ameaça também o futuro. Dobrou o número de famílias com crianças menores de 10 anos que não têm o que comer.

"Eu queria dar uma coisa melhor, um legume, uma carnezinha para eles. Mas não tem", diz a dona de casa Débora Santos da Costa.

Débora cuida sozinha dos filhos em Nova Iguaçu, na Região Metropolitana do Rio. Para o almoço desta quarta-feira (8) ter um pouco mais que o de terça-feira (7), a mãe dela usou o dinheiro da passagem do ônibus.

"Arrumei três reais para poder comprar pelo menos ovo para eles poderem comer", diz a avó.

"Aí eu sempre faço um mexido", afirma a mãe.

Renato Maluf, um dos coordenadores da rede de pesquisadores, diz que a situação começou a se agravar ainda em 2015, com a piora da economia. Ele lembra que em 2018 o Brasil voltou ao mapa da fome, de onde tinha saído cinco anos antes.

"A pandemia agrava um processo que já estava em curso desde 2015/2016. Crise econômica, crise política, desemprego, precarização do trabalho, perda de rendimento, ataques a direitos sociais, e desmonte de programas", explica.

A pesquisa lembra que o Consea, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar que permitia a participação da sociedade na elaboração de políticas públicas contra a fome, foi extinto no primeiro dia do atual governo.

"A solução do problema não é a gente, não é a sociedade civil que vai dar. A gente está aqui apagando um incêndio. A gente está aqui como bombeiros de um problema que infelizmente o governo não está solucionando", afirma Rodrigo Kiko Afonso, diretor-executivo da Ação da Cidadania.

A Ação da Cidadania é uma rede de solidariedade criada há quase três décadas pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Mas, hoje, se a situação é mais grave, a ajuda não pode ser mais a mesma. Quem não pode pagar pelo gás de cozinha, no lugar de cesta básica, ganha comida pronta.

Uma fila em Duque de Caxias (RJ), é de quem não tem mais nada. Ela também é a fila em que rostos mudam de expressão. As quentinhas chegam toda sexta-feira. Para Roseane Leite, as seis irmãs e os filhos delas é o único dia de uma refeição completa.

Pela pesquisa, 65% das famílias comandadas por pessoas pretas ou pardas têm dificuldade de botar comida no prato.

"Toda sexta já é certo, aí não precisa se preocupar. Sempre vem uma fruta para eles, eles pegam a fruta, ficam todo bobo. Já vem comendo já a fruta no caminho", conta Roseane.

O representante da FAO no Brasil, a agência de alimentos da ONU, Rafael Zavala, diz que é uma situação contraditória e vergonhosa. Um dos maiores produtores de comida do mundo não conseguir erradicar a fome.

"Os governos locais, estaduais e prefeituras têm programas como o de restaurantes comunitários, que fortalecem as merendas escolares e outras estratégias que estão focalizadas na luta contra a fome. Este país sabe como fazer", diz.

O especialista em desigualdade social Ricardo Paes de Barros, diz que foi importante aumentar o valor pago pelo programa de transferência de renda, mas que ainda falta fazer o dinheiro chegar realmente a quem mais precisa e criar oportunidade de trabalho para essas famílias.

"Você tem que fazer um Bolsa Família ou Auxílio Brasil que seja amigável com a transição ao trabalho. Temos que trabalhar com programas de reinserção ou de melhoria na qualidade de inserção dessas pessoas no mercado de trabalho. Essa é a única maneira de acabar com a insegurança alimentar", afirma.

E ver essas soluções é ver o sorriso do Davi, a alegria da Vitória, a felicidade do Lucas por estarem à mesa com a família, com os pratos cheios. E no momento do Brasil, isso é muito.

Fonte: O Globo

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