'Fique com Deus porque comigo não vai rolar', conheça foliã de 66 anos que virou celebridade

Dona Mercês viralizou nas redes sociais por causa da frase escrita na camiseta. 'Não sou personagem' diz a vovó que abriu a casa para contar a própria história.

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Publicada 08 de Fevereiro, 2018 às 09:33

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Apreciadora do carnaval desde quando a folia em Brasília era restrita aos clubes, na década de 1970, a piauiense radicada na capital Mercês Parente virou celebridade aos 66 anos. Depois de ser fotografada em um bloquinho de rua com uma camisa que dizia "fique com Deus, porque comigo não vai rolar", a vovó do carnaval viralizou nas redes sociais.

A senhora foi flagrada no Bloco do Amor, no domingo (28), por jovens que se impressionaram com o bom humor ? ela até topou participar de algumas selfies. A admiração dos foliões rendeu curtidas e compartilhamentos que fizeram de Dona Mercês uma atração do carnaval de rua.

Este "espírito carnavalesco", no entanto, não fica guardado em uma gaveta empoeirada até fevereiro bater à porta. Quem a conhece sabe que a única coisa que Mercês precisa resgatar no carnaval são os adereços, porque a alegria de viver está com ela o ano inteiro.

"Uma sobrinha minha muito engraçada disse que só foram me descobrir 66 anos depois."
 
"Eu sou assim, sou intensa, sou de dar gargalhada", disse a vovó que de óculos prateados com lentes lilás, tiara na cabeça e batom vermelho conquistou os bloquinhos de Brasília. Ela garante que a foliã não é uma personagem. É apenas uma versão "aparamentada" da Mercês de todos os dias.

"Não inventem um personagem, porque o personagem não existe."
 
Ninguém diria o contrário sentado no sofá da sala dela. Quadros, esculturas e outros adornos ocupam as paredes. A luz que entra pelo vidro despido de cortinas realça o sorriso natural e a expressão de quem viveu intensamente muitos outros carnavais.
 

Mercês, prazer
 
Uma mão na maçaneta e outra no telefone. Foi assim que dona Mercês abriu a porta de casa para a reportagem. Enquanto agradecia os parabéns de um familiar, indicava com a cabeça: pode entrar. A "rainha do carnaval de Brasília" comemorou aniversário nesta sexta (2).

Como em todos os anos, ela estava vestida de branco, com uma bata rendada e colares de miçanga azul e prata. A roupa, diferente da que chamou atenção no Bloco do Amor, faz parte da tradição de aniversário ? homenagear Iemanjá.

Filha de "boêmio", como ela se refere ao pai, e irmã de um padre e um pastor, Mercês teve educação cristã, mas descobriu as religiões de matriz africana ainda na juventude e, desde então, faz do sincretismo sua vivência na fé. Com a Rainha do Mar, a conexão é de nascença: o Dia de Iemanjá também é comemorado em 2 de fevereiro.

Do lado de dentro do apartamento, no 6º andar de um prédio no Plano Piloto, a alegria de dona Mercês é traduzida em cores por toda parte. "Nada disso aqui é cenário. A minha casa não está carnavalesca. Minha casa é assim."

"A alegria não é do carnaval. A alegria é de vida, de fora íntimo."
 
Este sentimento, que ela afirma ter herdado dos pais, seria também responsabilidade dos astros, que confabularam em seu favor. "Minha mãe era uma pessoa muito alegre, meu pai cantava muito. Vem do meu DNA e da minha história de vida. E alegria... Eu acho que não conheço nenhum aquariano triste", disse às gargalhadas.

'Fique com Deus'

A camiseta branca que fez sucesso entre os jovens pode ter duas interpretações, segundo dona Mercês. A primeira (e mais disseminada) é a da "pegação", explicou. "No contexto da esbórnia, como quem diz não sou nem bonita, nem recatada, nem do lar".

"Mais ou menos isso: nunca fui santa."
 
"Como pode ser, nessa situação de 'fica com Deus aí, porque comigo não vai rolar essa sacanagem toda que está rolando'." Neste aspecto, ela diz que se refere ao cenário político em que o país está inserido.

É justamente neste contexto que dona Mercês acredita ter chamado tanto a atenção no bloquinho de rua. Para quem sempre viveu o carnaval intensamente, a admiração dos jovens é um retrato sintomático do momento que o país atravessa na história política e social, avalia a foliã veterana.

"Foi no contexto de um bloco que, nesse momento que a gente está vivendo, num momento de exclusão absoluta de todos os direitos sociais, se pega um item [fora da curva]: uma senhora de idade ? que a sociedade não dá apoio às questões da terceira idade ? que está na faixa da alegria", diz ela.

"Eu podia passar despercebida em qualquer rua ou balada", explicou. "Acho que foi pelo contexto da frase num espaço muito libertário, de um público que hoje se expõe, não tem mais que se esconder de ninguém."

O Bloco do Amor, qua sai na via S2 ? sigla que, na linguagem digital, representa um coração ? é um evento LGBTI que defende o amor em todas suas manifestações como forma "desobediência civil". 

Fonte: G1 

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